14 de fevereiro de 2007

SMS


"- Estou triste. Dá-me um conselho. Depressa.
- Pensa em ti. Devagar.
- Por onde começo?
- Tudo o que já fizeste.
- Só me lembro do que não fiz.
- Faz o que não fizeste.
- Já não posso. Já não existe.
- O quê?
- O amor que não disse. O beijo que não dei. O quadro que não pintei.
- Pega nas tintas. Pinta tudo o que não fizeste.
...
- E as coisas que fiz mal? O que faço delas?
- Que coisas?
- Amores interrompidos, paixões em vão, tempo perdido.
- O tempo que perdeste está na inocência do teu rosto. É teu.
...
- ... Acreditar em quê?
- Nas pessoas que amaste. Nas pessoas que amas. Nas pessoas que hás-de amar. Nas pessoas.
- As pessoas desiludem-nos.
- Porque nos iludem. Agradece a ilusão. É uma espécie de camarim do céu.
...
- Toda a gente quer ser feliz.
- E depois?
- Depois, o quê?
- Depois de sermos felizes, o que podemos ser ainda?
- Mais felizes?
- A felicidade não tem mais nem menos. Tem momentos. Como este.
...
- Tenho medo de já ter pouco tempo.
- Manda o tempo dar uma curva. O tempo não existe. Todos vamos morrer.
- Dizes isso com uma leveza.
- Se vivêssemos para sempre, ficávamos empalhados de tédio.
- Mas mais uns anos...
- Ainda bem que queres mais uns anos. Gostas da vida.
- Gostamos de tudo aquilo que perdemos.
...
- Recebi agora as análises. Afinal está tudo bem. Mas voltei a ficar triste.
- Oh, inconstante criatura.
- Se fosse morrer, tinha coragem para esclarecer o resto da minha vida.
- Por exemplo?
- Declarava a minha paixão. Deixava de me ofender com ninharias. Voltava a pintar.
- Então não te esqueças que vais mesmo morrer.
- Mas não hoje, nem amanhã.
- Como sabes? As análises não são tudo. Há mil maneiras de morrer.
- Que agouro!
- Se precisas da companhia da morte para procurares a verdade da tua vida, dá-lhe o braço.
- Não é o momento.
- Nunca é o momento. As pessoas desperdiçam o luxo de se saberem mortais.
- Se disséssemos tudo o que pensamos e sentimos, a vida seria impossível.
- O que é que temos estado a fazer?
- Pois. Já te percebi.
- E então?
- Vou seguir os teus conselhos.
- Não são meus, os conselhos; são teus. Eu sou apenas o teu eco. Disse-te alguma coisa que não soubesses?
- Para dizer a verdade, não; mas disseste-me muitas coisas de que eu não me lembrava.
- A velocidade do mundo contribui para o esquecimento. Ainda bem, porque se não fosse assim ninguém precisava de amigos.
- É, ainda bem. Até logo. Vou à vida.
- Como se fosses morrer hoje?
- Não, como se fosse morrer amanhã.
- Então, até amanhã. Cá estarei para te matar quantas vezes tu precisares."

Inês Pedrosa

1 comentário:

AnaCS disse...

diz tudo...enfim!!! Bola para a frente!